segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Gabriela, Cravo e Canela - Jorge Amado

Existem livros que são com filmes. Contam uma história - a do personagem principal - e mais nada. Os coadjuvantes só aparecem pra fazer alguma coisa pelos protagonistas. Eles até podem ter suas próprias vidas, mas nisso só se fala de relance, quando se fala. Isso não torna o livro melhor ou pior. Foi escolha do autor centralizar a história, manter um único foco. Existem excelentes livros assim: Orgulho e Preconceito - Jane Austen; Penélope - Marilyn Kaye; A Firma - John Grisham. Mas a literatura brasileira é riquíssima em outro estilo. São livros que não cabem nos filmes.

"Muita gente, muita coisa acontecendo..." foram as palavras que um colega usou para explicar porque não gosta da obra de Jorge Amado. Ele tem razão. Gabriela demora a aparecer, mas quem disse que faz falta? Porque a história não é só dela. Como em uma novela, todos os personagens tem uma história. Cada história se transforma em plano de fundo para outra história. Uma riqueza! Porque a vida é assim - não escolhe protagonistas. O mundo não gira em torno de Gabriela. Contar sua história é uma questão de foco, mas contar só a sua história é negar o seu contexto.

Eu nasci assim; eu cresci assim; e sou mesmo, sim; vou ser sempre assim. Gabriela, sempre Gabriela... Entender Gabriela não é fácil, mas não é difícil compreender. Gabriela, se não fosse ela, seria promíscua, mas não é. Ingênua, talvez. Não tendo sido educada nem padronizada aos nossos costumes, ela simplesmente não cabe naquilo que chamamos de sociedade, e não tem como fazê-la caber. Ela pode até deixar de ser como é, mas perde a graça.

Mas a trama é muito rica pra se prender a Gabriela. Ambientada em Ilhéus, num período em que as riquezas do cacau traziam o progresso à cidade, o ano retratado é cheio de acontecimentos, todos temperados com intriga política, coronelismo e outras aventuras típicas do Brasil do início do século XX. Ah, não... não estou falando do Brasil da Semana de Arte Moderna, dos barões do café... Me refiro ao Brasil dos coronéis, do sertão, aquele que até hoje é meio desconhecido, e, às vezes, esquecido.

Para levar pra Bahia, escolhi Gabriela de Jorge Amado, um grapiúna como eu (na verdade, mais do que eu), porque é muito legal ler uma história olhando para o cenário - embora muito diferente, muita coisa ainda é igual. E ficar pensando se isso realmente aconteceu, se um dia existiu um Mundinho Falcão que revolucionou a política ilheense, se houve um Bar Vesúvio do árabe 'Seu' Nacib. Porque lendo uma história tão rica, a impressão que eu tinha é que eu encontraria Gabriela assim que saísse na rua.

PS¹: Grapiúna é quem é da região de Itabuna, da terra do cacau. Eu nasci em Camacan e, há três semanas, estava sentindo o cheiro das sementes de cacau secando ao sol.
PS²: Algumas cenas da adaptação do livro para a televisão foram gravadas em Canavieiras, onde eu morei. Se pesquisar, vai saber como é feio aquele lugar...
PS³: Ê, saudade da Bahia!