quinta-feira, 12 de julho de 2012

Grande Sertão: Veredas (João Guimarães Rosa)

Spoilers. O grande problema de quem lê ou indica ou fala sobre Grande Sertão: Veredas são os spoilers. Minto. É o spoiler. Não é um spoiler difícil de descobrir. Talvez, na época em que foi escrito, tenha sido algo super original, mas eu consigo me lembrar de algumas histórias com o mesmo mistério. É até provável que algumas delas tenham se inspirado na história de Guimarães Rosa. 


Se você é daqueles que não gostam de spoilers,
então não procure chifres em cabeça de cavalo.
Agora, se você está louco pra saber que spoiler é esse,
com imaginação e curiosidade os unicórnios aparecem!
Depois não digam que não avisei.


Eu não ligo para spoiler. Nem por isso vou entregar spoiler algum, fiquem tranquilos. Acho mesmo que o que importa mais é como a história é contada do que o que acontece nessa história. Porque até uma ida ao supermercado pode ficar super interessante se for contada por aquele tio super engraçado, enquanto uma super aventura pode se tornar um tédio na boca do metido do namorado da sua irmã. (Não estou falando de nenhum dos dois, é só um exemplo u.u).

Meu primeiro contato com o grande sertão foi em uma leitura realizada como preparação para um evento da faculdade que tinha como texto-base o trecho do julgamento de Zé Bebelo. Naquele pré-evento, um rapaz muito empolgado lia trechos que ele julgava importantes para a nossa compreensão da história, explicando as passagens para então chegar no julgamento. Não sei se foi o brilho nos olhos daquele moço apaixonado por este livro, se foi o encanto da leitura em voz alta, a linguagem do Rosa... só sei que saí daquela sala direto para a biblioteca.

A escrita é linda. Não por poesia rebuscada, por lirismos enfeitados, mas justamente pela falta de enfeites. É natural. E é linda. O livro todo é uma narração de uma conversa entre Riobaldo e um interlocutor que, por um acaso, durante alguns (vários) dias, fui eu. Conversa é modo de dizer. Ele falou, eu escutei, assenti, sorri e chorei. Marquei suas palavras para reproduzi-las mais tarde. Mas não disse nada. Não cabia.

Mas não tem só Riobaldo nessa história, é claro. É a história da vida dele, sim, mas ele é um excelente contador de histórias. Por mais que vá e volte no tempo em suas narrativas, ele sabe como prender a atenção de alguém. Não só Riobaldo, mas Diadorim, Zé Bebelo, Hermógenes, Joca Ramiro e até alguns personagens que poderiam passar despercebidos por olhos menos atentos ou menos curiosos como Nhorinhá, Compadre Quelemem, Fafafa... A obra é cheia de personagens porque retrata a vida e é cheia de vida. E a vida é assim, cheia de gente.

O cenário disso tudo é o sertão de Minas Gerais e Bahia, mas é, principalmente, dentro de Riobaldo. Não que seja daqueles romances em que a personagem principal passa o tempo todo em reflexões interiores. Não. Riobaldo pensa na vida enquanto vive, e conta a vida para vivê-la. E por ser a vida, o sertão pode estar dentro de qualquer um, seja você homem ou mulher, alto ou baixo, gordo ou magro. As dúvidas e as certezas, as virtudes e as fraquezas que pertencem a todos estão fincadas nessas linhas, muitas linhas, que formam veredas no sertão. O sertão está em toda parte. Talvez por isso é que viver é muito perigoso.

Extras

A edição que eu li veio da Biblioteca de Ciências Humanas e Educação da UFPR. É a 10ª edição da Editora José Olympio, que hoje faz parte do Grupo Editorial Record. A edição bem antiga aparentemente preserva as características da edição original. Conta, inclusive, com o recado do autor na última página.

Como já foi muito manuseado, assim como os outros exemplares da biblioteca (tem vários!), o livro já passou por uma reforma e, por isso, não possui a capa original, com desenhos do artista paranaense Poty Lazarotto. (De férias em Curitiba? Tem uma exposição sobre ele no Museu Oscar Niemeyer).

Por ser uma edição bem antiga, não dá pra contar com muito conforto além das páginas levemente amareladas. O papel tem boa gramatura, não fica grudando um no outro, nem aparecendo a tinta do outro lado, mas as margens das páginas são exploradas ao máximo, assim como o espaçamento entre as linhas.

Grande Sertão: Veredas foi traduzido em vários idiomas e se transformou em The Devil to Pay in the Backlands, Le Diable Dans la Rue, au Milieu du Tourbillon, Wilkie Pustkowie, Gran Sertón: Veredas, Diepe Wildernis: de wegen, além da tradução italiana que manteve o título brasileiro (há um fac-símile da página inicial da tradução italiana na edição que eu encontrei na biblioteca).

No Brasil, a obra recebeu adaptações em filme (1965), em minissérie para a Rede Globo (1985) e em ópera no espetáculo Sertão Sertões, uma Cantata Cênica (2001). Os livros escritos sobre este livro são tantos que eu nem me arrisco a listar. O livro é o único brasileiro a constar da lista dos 100 melhores livros de todos os tempos do The Guardian.


Hoje a obra faz parte do catálogo da Nova Fronteira, que tem também uma edição de bolso, praticamente a metade do preço, naquela coleção Biblioteca do Estudante, que lança títulos que costumam fazer parte do conteúdo dos vestibulares das principais universidades do país. Apaixonante mesmo foi a edição limitada lançada pela mesma editora em comemoração aos 50 anos da obra, que hoje é vendida por meio milhar de dilmas no Estante Virtual...