terça-feira, 26 de março de 2013

Beatriz (Cristóvão Tezza)



Nosso verbo ser é uma identidade, mas sem projeto
Beatriz surgiu meio que sem querer, numa série de contos, insistindo em voltar e mostrar um pouco mais de si. A "assessora de textos" que é personagem de Um Erro Emocional nos mostra em pequenos excertos um pouco mais de sua personalidade. Vemos Beatriz trabalhando, amando, pensando no seu passado e no seu futuro, tomando decisões, acrescentando informações essenciais sobre a sua identidade como se não fossem importantes.
... porque agora eu sei mais sobre Beatriz e Donetti do que sabia ao inventá-los.

Se altera as letras e esconde o nome faz anagrama
O primeiro conto é narrado sob a perspectiva de Paulo Donetti, antes Antonio, um escritor de pouco sucesso, um tanto quanto rancoroso pelo sucesso dos menos talentosos. A convite de um desses escritores, Donetti vai para Curitiba falar em uma mesa redonda horrível e, no jantar que segue conhece Beatriz, que outrora fora Alice. A história acaba sem dizer muita coisa, e é no dia seguinte que se inicia Um Erro Emocional, originalmente um conto. Conhecemos um pouco mais de Beatriz em Aula de Reforço, que narra um dia comum com os clientes mais malucos que a gente encontra por aí.
E que tal o meu filho, não é inteligente?

O diminutivo é que aperta o mundo e deixa miúdo
O toque especial fica por conta da profissão: aquela identificação quando o cliente acha que o preço da revisão é muito caro, ou os textos bizarros e pedidos estranhos que aparecem. Qualquer um cujo trabalho envolva um cliente/usuário tem uma coleção de histórias bizarras, e com Beatriz não é diferente. Nos contos seguintes ela se depara com mais um monte de gente maluca, mas primeiro voltamos ao Donetti em A Viagem, que ouve uma história machadiana no ônibus, a caminho de uma universidade do interior, a qual decide utilizar na palestra de logo mais. Depois, Beatriz ainda encontra dois clientes muito estranhos, que a colocam em situações inusitadas em Beatriz e a velha senhora e Um dia ruim. Pagando bem...
Uma mulher deve saber fazer seu caminho...

No entanto falta ter um sujeito pra ter afeto
O romance está presente, ou quase, em Amor e Conveniência e O Homem Tatuado. Depois de algumas experiências desastradas, Beatriz tem a oportunidade de experimentar a conveniência de um relacionamento estável, onde tudo é combinadinho. Benefícios para todas as partes. Boa companhia, boa vida, bom vinho. Às vezes o romance estraga as coisas, não? Mas é nos braços do homem tatuado que ela vive uma paixão fulminante e inesperada - o romance quente que toda mulher procura em algum momento da vida. São os únicos contos inéditos do livro.
... ao que Beatriz, gentil, respondeu com um beijo na boca dizendo em seguida, rindo: Mas não é melhor fazer do que escrever?


E o quê mais?
Não dá pra dizer como é Cristóvão Tezza. Veja bem, ele é um escritor de romances, e eu só li seus contos. Por outro lado, a auto-crítica à classe literária e a cara de pau exposta no prólogo dão um gostinho de alguém que vale a pena ser lido. Os contos tem uma escrita bem marcada, compassada, que demonstram bem o ritmo, o tom e a temperatura da história (nesse caso, mudando o tempo todo, conforme mudam as histórias).

A edição da Record combina com os outros livros do autor. (como eu amo edições combinadinhas! não canso de dizer isso!) O exemplar que eu li foi emprestado da biblioteca da UFPR, em muito bom estado. O livro é levinho (cento e quarenta e quatro páginas. Nem me lembrava da última vez que tinha pegado um livro tão pequeno), desses que dá para ler até andando. As páginas são de papel off-white 90g. O texto tem tipografia serifada, em tamanho confortável.

Beatriz foi lançado depois de Um Erro Emocional (2010), e, pelo que eu vi, quem já tinha lido o romance não gostou dos contos. Confesso que, quando tirei da prateleira, não tinha a menor noção do que estava levando para casa. Fiquei feliz em descobrir que inverti a ordem, porque assim talvez eu goste ainda mais do romance. Talvez seja como ver os extras do DVD antes do filme, mas isso não estraga tudo, né?

A música citada na resenha é Gramática, do grupo Palavra Cantada.

Comprei o meu (sim, comprei) na Nobel (a maiorzinha de Foz, cujo site só não é mais indecente que o da Editora Rocco), mas o livro está disponível também nas principais livrarias, como Travessa Cultura Saraiva e até no Submarino.