sexta-feira, 30 de março de 2012

Desafio Literário de Março (em março!): O Xangô de Baker Street (Jô Soares)

Foi uma escolha bastante lógica. Faltando uma semana pra acabar o mês, eu precisava de um livro com um serial killer, mas isso não é evidente. Eu não podia arriscar pegar um romance policial e depois descobrir que não tinha nenhum assassinato em série ali. Passei por mais ou menos quarenta estantes (literatura inglesa, americana, alemã, francesa ... pulei os orientais e o leste europeu ... portuguesa, brasileira) até que encontrei um livro que tinha serial killer escrito na contra-capa.

O autor - quem não conhece o Jô? Acho que até a equipe do GAG conhece, né? - pretendeu escrever um romance policial com um toque de humor. Receita arriscada. É muito chato um livro policial engraçado demais, parece que perde o propósito. O interessante era que as partes cômicas eram coadjuvantes. Quando as cenas mostravam o assassino em ação, ou alguma parte da investigação, havia um ar de serenidade, ou pelo menos um humor mórbido, sutil, combinando com a ocasião. Nada de comicidade exagerada, só aquele humor esperto, de quem não precisa dizer que está fazendo humor.

A história narra o primeiro serial killer do mundo, contando como Sherlock Holmes cunhou o termo enquanto investigava um crime bastante peculiar no Rio de Janeiro. Infelizmente, não conheço a obra de Conan Doyle (esse nome me lembra alguém...), mas agora quero muito saber se o Sherlock de verdade era assim mesmo. O livro também é recheado de personalidades reais como Dom Pedro II, Chiquinha Gonzaga, Sarah Bernhardt, que, apesar de terem sido retratados apenas ficcionalmente, não escaparam a um estudo minucioso.

Aliás, o cuidado na pesquisa bibliográfica é digno de nota, não só na fidelidade dos personagens, embora a história seja inventada, como também dos cenários e costumes à época do Império. Tem até referências bibliográficas no final do livro. É um alívio saber que o autor levou o livro a sério com tantos outros por aí cometendo gafes ao situar seus romances em lugares onde nunca estiveram e sobre os quais não tem o menor conhecimento - embora pensem saber o bastante para colocar todo esse conhecimento em um livro.

O assassino é apresentado aos poucos, embora desde o início dê a entender que seja um dos que estão sempre presentes. No início de cada capítulo, temos uma cena só dele, dando pistas sobre a sua identidade. Eu tive dificuldades para descobrir quem foi porque eu confundi dois personagens, achando que eram a mesma pessoa. Isso porque existem os marqueses, viscondes e eteceteras, com seus respectivos nomes de verdade, e eu atribuí o nome de um a outro... me confundi toda. Ainda assim, só tive um palpite certo depois de umas duzentas páginas - e isso pra mim é ponto positivo.

Não é o melhor dos policiais - já falei que gosto de sentir aquela tensão, né? Embora o mistério dos assassinatos e os crimes em si sejam escabrosos, as pitadas de humor tiram esse gostinho, mas sem estragar o conjunto. Apesar de uns comentários que li, achei engraçado, não hilário; inteligente, não genial; e ainda estou pensando se o final me agradou ou não. Quero dizer, o final da investigação, não o final do livro (tentando ser específica sem dar spoiler). Acho que deu um equilíbrio capaz de agradar quem gosta tanto de um gênero como do outro.

Extras

O livro teve sua primeira edição publicada pela Companhia das Letras em 1995 e foi o primeiro romance de Jô Soares. Hoje ele aparece no catálogo com uma edição normal e outra econômica (trinta reais mais barata que a primeira e com capa laranja ♥).

A edição que eu li foi a normal. Achei que a capa dá uma ideia errada, porque a silhueta remete ao Sherlock, enquanto o violino dá a entender que se trata do assassino, não sei se alguém achou estranho também ou se é só coisa da minha cabeça. Eles usaram no corpo do texto a fonte Garamond, tamanho 14, eu acho - maior do que eu costumo ler. Volta e meia eu pensava que não estava combinando... mas vai ser chata assim em outro planeta, hein? Mas se pensar bem, a edição econômica tem praticamente metade das páginas da original, e isso faz toda a diferença pra quem vai carregar esse volume pra cima e pra baixo o dia todo.

Sendo uma edição da Companhia das Letras, não preciso nem falar da qualidade do papel, da diagramação, da revisão, só reforçar o elogio para o esforço de pesquisa e a delicadeza de incluir as referências bibliográficas ao final. Uma coisa que me incomodou foram as frases em francês e inglês, quando alguém começava um diálogo nesses idiomas. O restante do diálogo era narrado em português, mas pra quem não conhece nenhuma das línguas, fica a sensação de que perdeu alguma coisa.

O exemplar, peguei emprestado da Biblioteca de Humanas e etc da UFPR e estava em muito bom estado. Se não me engano, a biblioteca possui três exemplares do livro, todos bem conservados. A despeito das minhas últimas leituras, demoradas, emperradas, esse livro acabou num instante. Com certeza a história ajudou.

Em uma das cenas (a do fígado) eu me dei conta de como ficaria legal se essa história fosse adaptada em filme... aí lembrei que isso já aconteceu. O filme foi lançado em 2001, com direção de Miguel Faria Jr. Assisti e achei muito inferior. Eu não costumo avaliar o filme pelo livro, mas fica difícil não fazê-lo, considerando que não gostei do filme. Me pareceu que todas as partes engraçadas foram suprimidas ou reproduzidas de forma não tão engraçada. Ainda estou pensando se o fato de manter os diálogos em francês e inglês nessas línguas foi positivo ou negativo...

Pra quem, como eu, sentiu o desejo de conhecer mais sobre um dos detetives mais famosos da literatura (confesso que ainda dedico 78% do meu entusiasmo com detetives ao Poirot), o chamado "cânon" de Sherlock Holmes consiste em quatro livros - A Study in Scarlet, The Sign of the Four, The Hound of the Baskervilles e The Valley of Fear. Os originais estão em domínio público, por isso existe mais de uma editora com as obras de Doyle no catálogo. Além dos livros, há ainda cinquenta e seis contos 'oficiais' sobre o detetive, que já teve muitos rostos no cinema, no teatro e na televisão, mas bem que poderia se parecer de verdade com o Robert Downey Jr...

Até agora encontrei mais duas resenhas desse livro no Desafio Literário 2012:
A Amanda, do Vivendo entre Livros, detestou a obra. Então, se quiser um contraponto...
Já a Francieli, do Pessoalmente Falando, se divertiu muito com a leitura ;)