segunda-feira, 23 de abril de 2012

Utopia

Essa noite sonhei com uma utopia. O mundo que eu sonhei era realmente utópico, eu chamaria de o "mundo das soluções fáceis". Nesse mundo não havia crimes porque existiam muitos policiais nas ruas. A polícia era desmilitarizada e respeitada pela população. Ah, e respeitava a população com a consciência de que existiam para cuidar daquelas pessoas, não pra outra coisa. As pessoas podiam andar pelas ruas escuras sem medo porque só pela ciência de que existiam muitos policiais cuidando da população, a criminalidade já se acuava.

A solução que eles encontraram foi bem simples. Prisões, muitas prisões. Sistema de repressão total. Jogou papel de bala no chão, 'teje' preso por crime ambiental. E assim a galera foi aprendendo a agir de forma legal e responsável, a não causar danos aos outros. Não havia necessidade de escolas porque as pessoas aprendiam na televisão tudo o que elas precisavam. E se não aprendessem, eram presas e aprendiam essas coisas na prisão. Quem saía dos presídios recebia uma carteira de habilitação para convivência em sociedade, obtida por quem fosse aprovado por uma equipe científica respeitada no mundo todo. (Não preciso dizer que ninguém saía antes de conseguir a habilitação, né?)

Ao sair das penitenciárias, as pessoas eram recebidas de braços abertos pela sociedade, afinal, os regressos voltavam a fazer parte da sociedade civil, aquelas pessoas que têm direitos e tudo mais. Essas pessoas contavam como era a vida nas prisões e as histórias se espalhavam por toda a população, em forma de fábulas para aterrorizar as crianças, evitando que essas desobedecessem a lei. Nesse mundo, o Ministério Público, por ser o acusador dos processos criminais, era sempre pro societate, e os criminosos, a partir das investigações, já não faziam parte da sociedade, afinal, não eram sociáveis.

Descobriram, no mundo das soluções fáceis, que a criminalidade é resultado de uma doença psiquiátrica (ou de um demônio, pra quem tem religião), que só se cura através da tortura. Daí a faca na caveira, sabe. Pelo bem dessas pessoas e da sociedade da qual elas, enquanto doentes, não fazem parte, elas são submetidas a sessões diárias de espancamento, até que retornem à consicência social (ou que o demônio saia daquele corpo que não lhe pertence).

Esse é o "mundo das soluções fáceis", porque todas elas já existem. Mas não solucionam ***** nenhuma. É utopia acreditar que internar o menor que foi surpreendido com arma de uso restrito vai resolver alguma coisa quando três anos depois ele sair do CENSE. Ou que pelo menos nesses três anos a retirada de circulação do adolescente é uma quase-solução. Matem-no! E depois encham a boca para falar dos direitos fundamentais da Constituição blablabla. Muita retórica pra quem ainda acredita no Direito Penal do Inimigo. Essas pessoas me fazem acreditar que os Jogos Vorazes se aproximam.

Eu busco algo melhor do que o Direito Penal. E eu acredito que o ECA é algo melhor que o Código Penal porque nele existem medidas mais coerentes pra quem se diz contra a pena de morte. Porque eu não acredito que alguém esteja perdido. Ainda mais alguém que não viveu nem duas décadas. Perdidos são aqueles que não têm esperança. Não acreditar é o primeiro passo para não fazer nada. E eu não vou me juntar aos que não fazem. Eu não me conformo e não vou me conformar nunca com essa "solução" ridícula que temos para a insegurança pública. Eu busco algo melhor e vou buscar enquanto esse algo melhor não acontecer. Eu vou mudar a história com quem quiser se juntar a mim. Sigam-me os bons.

Mas mesmo assim uma coisa ainda não foi falada. vamos supor que nós sonhamos, ou inventamos, aquilo tudo - árvores, relva, sol, lua, estrelas e até Aslam. Vamos supor que sonhamos: ora, nesse caso, as coisas inventadas parecem um bocado mais importantes do que as coisas reais. Vamos supor então que esta fossa, este seu reino, seja o único mundo existente. Pois, para mim, o seu mundo não basta. E vale muito pouco. E o que estou dizendo é engraçado, se a gente pensar bem. Somos apenas uns bebezinhos brincando, se é que a senhora tem razão, dona. Mas quatro crianças brincando podem construir um mundo de brinquedo que dá de dez a zero no seu mundo real. Por isso é que prefiro o mundo de brinquedo. Estou do lado de Aslam, mesmo que não haja Aslam. Quero viver como um narniano, mesmo que Nárnia não exista. Assim, agradecendo sensibilizado a sua ceia, se estes dois cavalheiros e a jovem dama estão prontos, estamos de saída para os caminhos da escuridão, onde passaremos nossas vidas procurando o Mundo de Cima. Não que as nossas vidas devam ser muito longas, certo; mas o prejuízo é pequeno se o mundo existente é um lugar tão chato como a senhora diz. (C. S. Lewis, As Crônicas de Nárnia: A Cadeira de Prata)