segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Ciranda de Pedra (Lygia Fagundes Telles)

Ciranda de Pedra (Lygia Fagundes Telles)

Redescobrir o sal que está na própria pele
Quanto mais difícil, mais necessário é manter as aparências. Ainda mais depois do escândalo da separação, da loucura, do adultério. A menina Virginia é a única das irmãs que mora com a mãe e o "tio Daniel", médico por quem Laura se apaixonara. Além de viver desprovida da abastança das irmãs, a caçula convive com a doença da mãe, sempre à espera de um lampejo de lucidez. A história é narrada do ponto de vista dela, mas em terceira pessoa. Pai distante, mãe louca, irmãs indiferentes - Virginia quer ser próxima de alguém, quer fazer parte, mas está envolvida em contextos heterogêneos. 
Virginia: Não me pareço com ninguém.

Pelo simples ato de um mergulho ao desconhecido mundo que é o coração
Quando finalmente descobre que não pertence a lugar nenhum, Virginia pede ao pai para estudar em regime de internato. A história, então, avança para o dia em que retorna à casa do pai. Está tudo muito diferente, e ao mesmo tempo muito igual. Sabe, quando você retorna ao lugar onde passou a infância? Parece que não mudou nada, e, ainda assim, mudou tanta coisa... Virginia mudou. Agora eles lhe oferecem um lugar na roda, mas ela não tem certeza se ainda quer girar. Os segredos que antes ela ansiava saber tornam-se verdades pesadas demais para ela. A gente vai pegando uma afeição por essa menina, quer chamar pra tomar um café, dar um conselho. É uma história muito preocupante. Uma menina muito preocupante, mas isso não é o pior. Acontece que ela é muito doce, também, e dá cada susto na gente...
Otávia: E então, já descobriu muita coisa?

Renascer da própria força, própria luz e fé
O final pode ser feliz ou triste, depende do ponto de vista. Eu ainda não escolhi o meu. Virginia finalmente encontrou seu lugar no mundo. Os personagens são fieis até o fim em suas características principais: Conrado é um banana; Afonso é um babaca; Bruna é uma hipócrita; Otávia é louca como a mãe; Leticia é fraca - aquele tipo de gente fraca que finge que é forte, mas toda a sua força vem da fraqueza de não perdoar o passado. Eles são um espelho onde dá pra enxergar um pouquinho de cada pessoa. Esses livros que jogam a verdade na cara da gente são assustadores.
Conrado: Começa hoje a vida que te resta.

E o quê mais?
A escrita da Lygia é delicinha! Se fosse um som, seria aquela voz macia, melodiosa, ritmada, cheia de calor e emoção. Ciranda de Pedra é o primeiro romance da autora, já reconhecida pelos seus contos. A impressão é que ela prendeu a respiração por tempo suficiente para ter fôlego para um mergulho profundo logo na primeira vez. Para Carlos Drummond de Andrade, é "um livro perturbador, que nos prende e nos assusta". Concordo. Li no começo do ano e olha, quando passo por ele na estante, ainda me surpreendo prendendo o fôlego, como num susto. (Verdade!)

A edição da Companhia das Letras é linda, linda, linda. Essa coleção da Lygia tem capas tão lindas que dá vontade de pendurar na parede, porque são, de fato, detalhes de obras de arte. O texto foi impresso em papel Pólen Bold (aquele amarelinho, com textura gostosa). A fonte é serifada, com tamanho bom para os ceguetas, sem ser exagerado.

Esse exemplar faz parte da minha biblioteca. Comprei na Livraria Cultura do Shopping Curitiba em outubro de 2012, num esforço para aumentar a minha seção de Literatura Nacional. Como eu sou meio traumatizada com os autores mais recentes (ai, gente, desculpa, talvez eu precise de terapia, mesmo, fazer o quê?), compro esses autores lindos e mortos, que não enchem o saco se eu não gostar.

Ciranda de Pedra foi adaptado duas vezes para a televisão pela Rede Globo (1981 e 2008). Eu não acompanhei, mas acompanhei algumas partes e, depois que li, fui no site da telenovela e... não tem nada, nada a ver. Como se pegasse as duas primeiras páginas do livro e a partir daí seguisse com outra história. Mas a trilha sonora é ótima :) Os trechos da resenha são da música de abertura, Redescobrir, do Gonzaguinha, que foi interpretada pela Elis Regina.

Por ser uma leitura densa, não recomendo para leitores iniciantes. (Não acho que quem está começando a tomar gosto pela leitura tem que ler qualquer clássico, a menos que realmente queira. Os clássicos geralmente são pesados e muitas vezes são chatos, mesmo.).

Disponível nas principais livrarias (físico e e-book): Travessa Cultura Saraiva Loja da Companhia

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