sábado, 29 de janeiro de 2011

Desafio Literário: Os Meninos da Rua Paulo - Ferenc Molnár

Não sei como foi a infância de vocês, mas a minha eu divido em duas: a garota de cidade pequena e a menina de condomínio. Teve também a época que eu morei na Bahia, mas antes dos cinco anos não conta, combinado?

A garota de cidade pequena morava em uma cidade muito, muito pequena. Tão pequena que ela chegou a estudar na cidade vizinha por um ano. Mesmo sendo uma cidade pequena, a menina era menor ainda e, apesar de andar as nove quadras (não dá pra saber exatamente quanto é isso porque a cidade é tão pequena que o Google achou insignificante mostrar as ruas) que a levavam sozinha até a escola da 1ª à 4ª série, ela não podia andar sozinha por aí pra outros lugares. Afinal, não passava de uma garotinha.

Apesar de o pai da menininha achar que meninas não deviam brincar com meninos, ele não tinha muito o que fazer, afinal, ela era a única menina da rua, e apesar de ser mais velha que todos os meninos, era criança como eles. Pra brincar eles tinham a rua toda. Lá eles brincavam de pega-pega, futebol, alerta... No jardim, gostavam de se pendurar nas árvores e disputar quem chegava mais alto, quem pegava mais ameixas, quem pulava os muros mais depressa. Quando queriam aventura, brincavam no terreno ao lado da casa da menininha. Lá o cenário era quase sempre de guerra. Ela era a enfermeira e gostava de inventar um drama quando alguém se feria. Era sempre tudo muito grave. Quando chovia eles brincavam no pátio da igreja. (Eu não contei que a menina morava nos fundos da igreja?) Lá era muito bom pra brincar de pique-esconde. Depois da chuva iam jogar pedras nas lagoas que se formavam - hoje ela sabe que eram só poças de água - e pular na água, só até as mães descobrirem, o que não era difícil, já que pulavam gritando.

A menina de condomínio não gostava de brincar com as crianças grandes, apesar de ela já ser uma criança grande. Ela achava as outras todas muito metidas e sem imaginação. Com as crianças menores ela tinha muito respeito. Afinal de contas, ela era maior, mais forte e mais inteligente. Quando não descia para o playground, acabava sendo chamada pra resolver alguma briga - meninos sempre brigam. As brincadeiras também havia cenas de guerra, só que dessa vez ela lutava. Também gostava de fazer acrobacias e se pendurar de cabeça pra baixo. E de imitar agentes secretos em missões impossíveis. Ah, e é claro, fazer concursos de quem vai mais alto no balanço.

Os meninos da Rua Paulo pareciam com essas crianças. Eles gostavam de brincar de exército e de péla no terreno onde brincavam, chamado grund. Eram cheios de princípios e valores, como crianças. Já reparou como as crianças dão importância a isso? Pelo menos no meu tempo aquele negócio de 'quem rouba sempre perde' era muito forte. Quando alguém fazia coisa errada, era censurado por todos. Ah, e a lealdade. Coisa feia pra criança é traição. Amigo é amigo até o final. Ler Os Meninos da Rua Paulo é como se sentir criança de novo. É como uma narração da sua própria infância. A história conta a luta dos meninos pelo lugar que tanto amavam - o grund. O lugar que era deles. Todos juntos, corajosos, valentes - um por todos e todos por um. Ah, o romantismo infantil... Às vezes não dá saudade de ser criança?

Agora a avaliação mais técnica. O autor é um dos meninos, embora só algumas vezes ele deixe escapar esse fato. A narrativa é muito expressiva, e eu não pude evitar as lágrimas, sorrisos e risadas. Foram tão bem merecidas que saíram antes que eu pudesse segurar. O livro tem várias notas de tradução, o que foi bom e ruim. Bom porque os nomes húngaros têm uma pronúncia diferente e eu acho legal saber como se pronuncia os nomes das pessoas antes de começar a chamar pelo nome errado. Foi ruim porque tinha notas demais. Reclamo especialmente de quando tinha uma palavra pouco comum, com uma nota indicando sinônimos. Ora, ou deixa o nome difícil ou substitui de uma vez! Acho que, como tradutora, caham, até parece! fiquei muito enjoada com esses negócios.

Não me impressiona que o livro, escrito para o público infantil, tenha ultrapassado todas as barreiras etárias, étnicas, linguísticas... Porque é um livro sobre a infância e porque a infância é universal.