sábado, 26 de julho de 2014

Dos avós que eu tive

Eu nunca tive quatro avós.

Quando eu nasci eram três. E as histórias de uma avó Adelina, que foi homenageada com o meu nascimento - Annie Adelinne. Quando penso em vó Adelina, penso em uma mulher que sofreu muito. Não sei se é justa a imagem que eu tenho dela, mas é que não a conheci. Mineira, muquirana, muito honesta, batalhadora, mãe de 11 filhos, muitas vezes sozinha, algumas vezes solitária. Vi três ou quatro fotos da minha avó Adelina, que morreu de uma doença que, hoje, é a coisa mais besta do mundo: pedra na vesícula. A história da conversão dela é uma das mais lindas que eu conheço.

Quando meu irmão nasceu, três anos depois, já eram apenas dois. A imagem do vô Joviniano e do seu bigode, no entanto, só recordo das fotos que vi. Mas as histórias são tantas, que ele parece viver ainda através delas. Poderia ser um personagem de Ariano Suassuna ou de Jorge Amado. É o sanfoneiro profissional a quem toda a família se refere quando diz, orgulhosa "eu tenho a música no sangue". Festeiro, despreocupado, irreverente, mulherengo, muitas vezes ausente, mas nunca esquecido. Até na hora da morte estava distribuindo o que tinha, o chapéu a um, o relógio a outro...

Quando eu casei, era uma só. Meu avô Almerônio foi o avô que eu tive na vida. Ainda consigo ouvi-lo dizer "Menino malino! Fica bulinando no que não deve!" Lembro da sala onde ele fazia serigrafia, onde a presença de netos era proibida, o que só tornava as coisas mais interessantes. Eu, a única neta que foi morar longe, sempre fui alvo de mimos. Não podia pensar alto que tinha vontade de alguma coisa, que ela aparecia. Era quase mágica. Lembro de quando ele dirigiu da Bahia até Foz do Iguaçu, com o carro cheio de guloseimas baianas - um saco cheio de jambo só pra mim. Lembro de como ele acordava cedo e ligava o rádio do carro, tocando Roberto Carlos. Seu jeitinho discreto de dizer pro mundo que não é hora de dormir.

[O próximo parágrafo é triste, não pude deixar de escrever, faz parte da minha história com os meus avós, mas se quiser, pule para o próximo]

Lembro de quando minha mãe recebeu a notícia do câncer. Lembro do estado triste em que ele estava em sua última semana de vida, e agradeço a Deus por ter visto, por estar presente naquele momento, o último. Lembro do último olhar, quando me despedi dele pela manhã. Lembro de quando eu saí do banheiro do hotel em Salvador, pronta pra fazer um comentário indiscreto, e encarei três caras de assombro. Foi a primeira vez em que morreu alguém que eu conhecia. O choro do meu irmão, nos meus braços, dizendo que não queria ver morto o nosso avô. A viagem insone de volta ao interior da Bahia, acompanhando minha mãe. O choro cortante da minha avó. O cemitério, o momento exato em que ele foi descido à cova. Exatamente um mês depois, as lágrimas que eu segurava explodiram, enquanto o sol se punha no mar de São Luis do Maranhão. Ninguém disse nada. Não precisava. Há três anos e 11 dias meu avô morreu, e no dia 15 de julho de 2014 eu chorei de novo.

 

Hoje eu tenho uma avó. Vó Lourdes. A Dona Lourdes que todo mundo conhece. "Sou neta da Dona Lourdes" é um currículo completo em Camacan/BA. A única avó que eu conheci. Doce, sensível, disposta, batalhadora, talentosíssima. Todo mundo nessa família acha que prega um botão melhor que os outros, afinal, "minha avó é costureira de mão cheia". Ela fez o meu vestido de noiva à distância - eu só provei uma vez, com uma semana de antecedência. Mas isso porque ela tem experiência, com um armário cheio de vestidos de princesa das netas, quase uma linha do tempo em fita de cetim. Minha vó é uma fofa, e quem conhece concorda.

Eu nunca tive quatro avós, mas nunca me faltou. Eu não convivi tanto tempo com meus avós, como outros primos, mas nunca me faltou. Os avós que eu tive, pelo tempo que eu tive, e a avó que eu tenho ainda hoje, que deixa inbox no facebook com "BEIJOS DA VOVÓ", eles são mais do que eu mereço ♥